Por Giovana Marcondes Naya
O caso do bisavô fazendeiro e o bisneto “sem-terra”.
Quem nunca ouviu essa história?
Um inventário travado há anos, uma fazenda que o avô comprou sem registros, um loteamento feito em um pedaço de terra sem desmembramento ou uma grande e famosa família, cujos seus herdeiros hoje mantêm apenas algumas chácaras dispersas pela cidade?
Responsável por quase um terço do PIB nacional, apesar de ser um setor antigo, o agronegócio nunca teve tanta relevância como dos anos 90 para cá. Segundo o Censo Agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, dos cerca de 5 milhões de estabelecimentos rurais do país, 3,8 milhões se referem a propriedades familiares, ou seja, cerca de 77%.
Como se fossem fáceis o relacionamento e o trabalho intergeracional de pai e filho, nesta década, chegamos a um novo marco e uma dificuldade ainda maior: por vezes, quatro gerações de uma família dentro da mesma fazenda. Trabalhando, desenvolvendo, aprendendo e dependendo da terra juntos.
Como lidar com tudo isso?
Como organizar meu patrimônio rural para que ele se mantenha protegido do “risco-Brasil”, dos impostos, que são cada vez maiores, dos conflitos e das disputas familiares?
Independente da forma de organização, é preciso se atentar e cuidar do planejamento patrimonial das terras e da empresa, a fim de perpetuar o legado e trazer continuidade dos negócios a longo prazo, na sucessão.
Aqui, vale a pena falarmos sobre a dificuldade que é enfrentar o tema da própria morte. De fato, não é algo fácil. Essa é a primeira dor que todo patriarca ou matriarca precisa enfrentar: reconhecer a nossa própria e inegável finitude, já que “por medo ou egoísmo, muitos não se interessam pelo tema da própria morte. Não é um problema para eles, mas para os filhos e, havendo, para outros herdeiros. Eles que resolvam, quando a hora chegar. Mas há sempre um risco e é tolo achar que tudo se resolverá bem no fim das contas, ainda que se estranhem um pouco com isso ou aquilo. O problema é que a sucessão pode se tornar o fato negativo na vida de uma família, no ponto em que as coisas desandam e nunca mais voltam a ser como antes.”
Além disso, falamos da segunda dor e realidade que todo líder da família precisará entender: nem todos os herdeiros serão seus sucessores.
A preparação dos herdeiros para assumir o negócio da família é crucial para a longevidade do patrimônio das famílias do agronegócio. Quando essa organização acontece, os herdeiros tendem a enfrentar com mais naturalidade e capacidade os desafios da passagem de bastão, a fim de garantir a perpetuidade do negócio e legado familiar.
Todos os filhos seguem na fazenda? E aquela filha que formou advogada e foi embora para o exterior? Na oportunidade, recordo-me de uma frase de um dos vencedores do Prêmio Nobel de economia, Theodore Schultz, “a produção rural parece fácil quando a sua enxada é uma caneta e você está a milhares de quilômetros da lavoura”. Entender a diferença entre herdeiro e sucessor e identificar a importância de preparar cada um deles para assumir o seu papel e o papel do outro é muito importante.
Para sua reflexão, trazemos alguns questionamentos que podem servir como ponto de partida:
- Qual o valor atual que as propriedades rurais representam no seu patrimônio?
- Você tem herdeiros sucessores dos negócios familiares OU herdeiros que serão recebedores de renda?
- Você tem herdeiros que dependem do patrimônio acumulado, enquanto outros vivem de maneira independente?
- Você tem herdeiros menores de idade OU incapazes que requerem maior cuidado sobre o patrimônio?
- Quais são os regimes de bens que regem os impactos patrimoniais dos casamentos na sua família, em caso de divórcio e sucessão?
- Seus herdeiros possuem recursos financeiros próprios com capacidade para arcar com os custos de seu inventário, em caso de sucessão, que podem ultrapassar a 10% do seu patrimônio?
- Faz parte da governança familiar efetuar doações de patrimônios para herdeiros ainda em vida? Ou faz mais sentido pensar na transição patrimonial entre gerações somente após o falecimento, caso em que um testamento poderia ser utilizado?
- Faz sentido trazer regras restritivas de uso do patrimônio pelos herdeiros, como a proibição de vender os imóveis ou que eles se comuniquem com eventuais cônjuges e companheiros?
Eu sei, é muita coisa.
Mas, veja bem, você não vai tomar nenhuma decisão hoje. O que você precisa é tirar um tempinho para pensar nisso tudo e cuidar do seu amanhã.
“Giovana, a holding é a solução?”
Segundo o IBGE, até 2019 já existiam cerca de 6.151.126 hectares, ou cerca de 10% (dez por cento) das áreas particulares do Brasil geridas por holdings rurais, demonstrando não só uma tendência, mas também a importância de se proteger e explorar o patrimônio e a atividade no agronegócio.
A holding nada mais é do que uma empresa, um CNPJ, que será o novo dono do seu patrimônio, enquanto você e a sua família são donos da holding. Além de uma proteção patrimonial, a holding é capaz de te oferecer melhores possibilidades de planejamento sucessório imobiliário, colocando regras restritivas de uso do patrimônio pelos herdeiros, comunicação do patrimônio com seus cônjuges e podendo, até mesmo, evitar o processo de inventário e o temido imposto de sucessão: o ITCMD, que pode chegar a 8% sobre o valor da propriedade, no Brasil.
No entanto, a holding não é a solução. Pelo menos não sozinha. Sem um planejamento bem estruturado, dimensionado e realizado por um especialista, é possível que você acabe complicando a sua situação, se expondo a riscos tributários, societários, regulatórios, além de abrir espaço para muitos conflitos familiares.
Quando falamos de famílias com patrimônios mais complexos, precisamos extrapolar essa questão pura e simples da riqueza. Dinheiro e sua rentabilidade é um pedaço muito importante, de fato, do patrimônio das famílias, mas é apenas um pedaço da história.
O Planejamento Patrimonial e Sucessório é o conceito de ajudar as famílias na própria organização, é ajudar a pensar nesse patrimônio a longo prazo: como fazemos para preservar, multiplicar, proteger e transmitir o patrimônio para as próximas gerações – da maneira mais eficiente, sob o menor custo tributário possível, maior segurança jurídica e menor desgaste intrafamiliar.
E, como cada família é única, a estruturação e o planejamento também são: não existe receita de bolo. Como eu gosto de dizer, cada família tem seu quebra-cabeça e o nosso papel é ajudar a buscar as peças corretas e encaixá-las. Não vou enganar vocês, é claro que existem algumas peças que – talvez – possam ser comuns nesses planejamentos, mas é sempre preciso olhar com muito cuidado para cada cliente em particular, para não colocar em risco toda uma história construída, muitas vezes, por gerações.
Bem em verdade, é que “esse Planejamento Patrimonial” é muito mais do que montar uma holding. É olhar para a sua família e entender como a gente pode fazer seu legado perpetuar por inúmeras gerações, é maximizar e otimizar seu patrimônio com eficiência tributária e com o mínimo de conflitos, é estar ao seu lado para cuidar de um pedaço importante da sua vida, para que você possa se dedicar a ela toda.
Giovana Marcondes Naya é advogada especialista nas áreas de planejamento patrimonial, tributário e sucessório. Atua na estruturação e implantação de alternativas de organização patrimonial no Brasil e no exterior por meio de atuação de multidisciplinar abordagem que abrange questões tributárias, societárias, sucessórias e familiares, bem como estratégias de resolução das disputas familiares, governança familiar e corporativa, necessários à organização da família e ao desenvolvimento de negócios familiares.