Tão espantosa quanto a decisão do governo do Estado de São Paulo chefiado por João Doria de aumentar a tributação sobre alimentos – inclusive os da cesta básica – quando a inflação está se acelerando, os números da pandemia voltam a subir e termina o pagamento do auxílio emergencial para milhões de pessoas é sua tentativa de tentar mostrar que o imposto não subiu. Além de alimentos, também terão a taxação aumentada remédios para aids e câncer e equipamentos para pessoas com deficiência.
Não houve mudança nas alíquotas que podem ser aplicadas àqueles produtos, garante o governo. De fato, não houve. Mas produtos que antes estavam isentos agora serão tributados. Outros passarão a ser taxados com alíquotas maiores. Se isso não é aumento de tributação, não se sabe o que a expressão significa.
Desde que encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei de redução linear dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – como parte do necessário ajuste fiscal –, Doria vem assegurando que não fez nem fará aumento de impostos. “Não fizemos, não estamos fazendo e não faremos”, garantiu, no momento em que o projeto tramitava no Legislativo, no início de outubro, de acordo com nota da administração estadual. A afirmação tem sido repetida por órgãos estaduais, como a Secretaria da Fazenda, depois que o projeto foi transformado em lei.
Mas o fato é que a tributação subiu. De acordo com instituições e associações empresariais, itens como leite, ovos, farinha de mandioca e ração animal, antes isentos, serão tributados a partir de janeiro com alíquota de 4,14%. Suco de laranja e queijos terão sua alíquota aumentada para 13,3%.
Em nota divulgada no fim do ano passado, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) citam o impacto da mudança sobre os preços de alguns itens de peso importante na composição dos principais índices de inflação. O leite longa-vida deve subir 8,4%; as carnes, 8,9%; energia elétrica para estabelecimento rural, 13,6%; e têxteis, couros e calçados, 8,9%. Na área de saúde, elas citam medicamentos para aids e para câncer utilizados na rede privada, que devem ficar 14% mais caros; cadeira de rodas, próteses e equipamentos para pessoas com deficiência devem subir 5%.
Todos os consumidores serão atingidos. Mas alguns o serão mais que outros. No campo da saúde, os portadores de determinadas doenças. No caso dos alimentos, os consumidores mais pobres. Estes últimos têm sido as grandes vítimas do expressivo aumento do preço dos alimentos nos últimos meses. Entre janeiro e novembro do ano passado, o arroz subiu 69,5%, de acordo com dados do IBGE. O feijão subiu 40,8%; as carnes, 13,9%; o leite, 25%; e o óleo de soja, 94,1%. Para os paulistas, alguns desses preços agora terão o impacto da nova tributação decidida pelo governo Doria.
Do ponto de vista político, chega a parecer contraditório que um governo chefiado por um político filiado ao PSDB, como Doria, esteja agora a desfazer o que outro membro do partido – de outra época e de outra formação, é verdade – havia deixado como importante legado social. Foi o governo do PSDB chefiado por Mário Covas, na década de 1990, que teve a iniciativa de criar mecanismos de incentivo fiscal para aliviar o custo da cesta básica.
Do ponto de vista social, a medida do governo Doria seria nociva em qualquer época. Nesta, é triplamente cruel. A aceleração da inflação tem afetado duramente as famílias mais pobres, pois os alimentos têm peso maior nos seus orçamentos do que nos das famílias de renda mais alta. Elas serão também as mais atingidas pelo aumento do ICMS sobre produtos agropecuários.
Além disso, o ônus tributário aparece quando a economia ainda não dá sinais firmes de recuperação e a taxa de desocupação continua a subir. Por fim, os orçamentos familiares ficam mais apertados em São Paulo quando a pandemia recrudesce.
Fiscalismo extremado, insensibilidade social ou cegueira política de um governador que, desde sua posse, demonstra ambições mais amplas?
Fonte: Notas & Informações, O Estado de S.Paulo