Trabalho desenvolvido no Vale do Paraíba aplicará modelagem para cálculo de sequestro de carbono de espécies tropicais e nativas
Pesquisadores da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo desenvolvem estudos que visam a restauração ecológica e florestal da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, na região do Vale do Paraíba, aliando a geração de renda e segurança alimentar de famílias de agricultores. O projeto, que também tem foco em cálculos relacionados ao sequestro de carbono, é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Fundo Mundial para o Ambiente (GEF) e prevê o plantio de espécies nativas de frutas e plantas de diferentes regiões do País por meio de várias técnicas, entre elas a chamada muvuca, uma espécie de “coquetel” de sementes. Confira podcast sobre esse assunto no Spotify e Soundclound.
O projeto é conduzido pelas unidades regionais da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) localizadas em Pindorama e Pindamonhangaba e conta com a participação da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SIMA), de rede de agricultores agroflorestais, além de associações e organizações não governamentais. Ao todo, mais de cem famílias de agricultores participam dessa iniciativa, em área total de 15 hectares plantados e distribuídos em dezenas de módulos de cerca de 1.000 m² em áreas particulares nos municípios de Tremembé, Lagoinha, Cunha, São Luiz do Paraitinga, Natividade da Serra e São José dos Campos.
A muvuca de sementes
De acordo com o pesquisador Antonio Carlos Devide, da APTA Regional de Pindamonhangaba, o objetivo é fortalecer iniciativas em desenvolvimento e de forma colaborativa realizar pesquisas e disseminar o conhecimento sobre o plantio de espécies nativas da região em conjunto com frutíferas e culturas agrícolas, como a mandioca e a banana. Com isso, espera-se não apenas o reflorestamento de áreas, mas a geração de renda, emprego e segurança alimentar, além da inserção dos pequenos agricultores nas atividades de restauração ecológica.
“A técnica muvuca de sementes florestais, ou semeadura direta, é como um coquetel em que pegamos sementes de diversas árvores e adubação verde e misturamos para realizar o plantio. Junto com essas sementes, de diferentes regiões do País, inserimos espécies florestais que foram extintas na região. Nos dois primeiros anos do plantio, as culturas agrícolas podem gerar renda aos agricultores familiares, quando a floresta ainda não está formada. Os produtores podem colher esses alimentos para comer e vender. Quando a floresta se forma, eles ainda continuarão com fonte de renda, pois poderão colher os frutos de espécies nativas e alimentos da própria mata restaurada”, explica o pesquisador.
Essa mistura de floresta com produção de alimentos forma o chamado sistema agroflorestal (SAF), uma estratégia que pode conectar fragmentos de mata nativa. Nesse sistema, é possível inserir grãos, como o milho variedade ‘Palha Roxa’, originário de Cunha, e que está sendo multiplicado em Lagoinha e na APTA para servir como fonte de alimento e bioindicador do nível de fertilidade do solo, mandioca e até mesmo adubos verdes, que vão impedir a proliferação de capins indesejáveis na restauração florestal, como é o caso das braquiárias, possibilitando o controle sem uso de produtos químicos. Esses sistemas foram implantados em quatro assentamentos de reforma agrária e essas ações contaram com a supervisão do bolsista do projeto e biólogo Thiago Ribeiro Coutinho, que organizou brigadas de trabalhadores para consolidar as áreas de restauração com muvuca e SAF.
Coletores de sementes
Thiago Ribeiro é bolsista Fapesp do projeto da APTA e morador do assentamento Egídio Brunetto, em Lagoinha. Junto com outras 11 pessoas que moram no local, tem coletado sementes de espécies nativas para produção das muvucas. De acordo com Ribeiro, há cerca de cinco anos eles trabalham na coleta de sementes que auxiliam na viabilidade das implantações de Sistemas Agroflorestais pela Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, mas há dois anos essa ação se intensificou, já que para a realização da muvuca, são necessárias muitas sementes.
“Em 2019, entregamos 100 quilos de sementes. Em 2020, conseguimos entregar 700 kg de sementes nativas. Temos muito potencial para crescer, já que esse assentamento, que tem a proposta agroecológica, conta com 55 famílias e há ainda a relação com outros assentamentos e produtores que se utilizam das agroflorestas. Esse trabalho é muito importante para resgate cultural e para engrossar a renda e o sustento das famílias”, conta.
Ribeiro explica que a agroecologia e os sistemas agroflorestais têm mudado a relação das famílias do assentamento com a terra, fazendo com que muitas pessoas, por exemplo, passassem a conhecer e a reconhecer as espécies de plantas que eram utilizadas por seus pais e avós. “Há um processo de entendimento, de reconhecimento das espécies nativas e suas importâncias e, principalmente, de melhoria de renda. Através do acesso à terra, informações e tecnologias, tem sido realizada uma transformação social dessas famílias, que viviam em grande vulnerabilidade”, explica.
Trabalho coletivo
O trabalho coletivo é um dos pilares do projeto. Apesar de ser liderado pela APTA em parceria com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, a pesquisa envolve a participação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, que conta com 41 agricultores neste projeto, além de parcerias com o projeto Conexão Mata Atlântica, Associação de Cultura e Educação Ambiental Serra Acima, Instituto Auá, Akarui, Instituto Socioambiental, Caminhos da Semente, Rede Sementes do Xingu e Agroícone.
Os técnicos do projeto Conexão Mata Atlântica atuam em três frentes: desenvolvimento de tecnologias, pagamento por serviços ambientais e proteção da bacia hidrográfica. “Por meio do nosso plano de ação, temos atuado na capacitação e assistência técnica dos produtores. Identificamos aqueles que tinham interesse em iniciar a conversão de suas áreas em sistemas agroflorestais e rotacionados e iniciamos o projeto para auxiliar nessa transformação, que renderá a eles benefícios ambientais, alimentares e de renda, pois além da colheita daquilo que foi plantado, faremos o pagamento dos serviços ambientais”, afirma Dagoberto Meneghini, coordenador de campo do Escritório de São Luiz do Paraitinga do Conexão Mata Atlântica.
O técnico analista do Conexão Mata Atlântica, Ismael Soares Filho, explica que a iniciativa tem dado certo devido a confiança conquistada junto aos agricultores familiares. “Não estamos passando a técnica pela técnica. Estamos trabalhando em conjunto com os agricultores, para que eles tenham confiança no nosso trabalho. Só assim conseguimos alcançar os resultados esperados no projeto e melhorar a qualidade de vida dessas famílias. Quando eu falo em qualidade de vida, não significa apenas melhoria na renda, mas também a criação de oportunidade para que os jovens dessas famílias queiram ficar na propriedade, no território”, explica.
A diretora da OSCIP Serra Acima, Marina Marcos Valadão, explica que a instituição auxilia na disseminação do projeto, envolvendo agricultores familiares, principalmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade social. “Com o emprego de várias técnicas combinadas, demos início à implantação de dez Sistemas Agroflorestais. Com esse projeto, auxiliamos os produtores a identificar o melhor local para implementar o sistema, realizamos o plantio das muvucas de sementes a apoiamos o estabelecimento de uma relação de sinergia entre esse novo sistema e o cultivo de hortaliças realizado nas propriedades dos agricultores familiares agroecológicos”, afirma, ressaltando a importância da participação de Marccella Lopes Berte, técnica responsável pelo planejamento e acompanhamento da implantação dessas áreas.
Sequestro de carbono
Uma parte muito importante do projeto da Secretaria de Agricultura coordenado em conjunto com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente é a aplicação de uma modelagem para o cálculo de sequestro de carbono, focado em espécies tropicais nativas da Mata Atlântica.
“A ideia é aplicar uma metodologia para o cálculo de sequestro de carbono nessas espécies e capacitar os pesquisadores da APTA e técnicos da SIMA para aplicar essa modelagem. Isso trará ganhos muito significativos para a ciência e para a área de mudanças climáticas”, afirma Maria Teresa Vilela Nogueira Abdo, pesquisadora da APTA Regional de Pindorama e líder do projeto de pesquisa.
Isabel Fonseca Barcellos, diretora do Departamento de Fomento à Proteção da Biodiversidade da SIMA, explica que o trabalho está ligado à agenda climática e é importante pois o Estado de São Paulo busca cumprir com metas internacionais, como por exemplo as Metas de AICHI (recuperação dos ecossistemas degradados para mitigação e adaptação às mudanças climáticas), para aumentar a remoção de gases de efeito estufa da atmosfera.
“Além isso, é muito importante essa aliança entre conservação da biodiversidade com a produção e renda desses pequenos produtores. Os Sistemas Agroflorestais são especialmente interessantes para esses agricultores, pois possibilitam que eles os utilizem em áreas de preservação ambiental. Então, o produtor consegue estar dentro da legislação, conservar a sua área e ainda retirar uma renda dela”, afirma.
Extensão rural
Cerca de 250 técnicos das Secretarias de Agricultura e Abastecimento, Infraestrutura e Meio Ambiente e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) participaram da capacitação “Restauração Ecológica de Vegetação Nativa” coordenado pelo Departamento de Desenvolvimento Sustentável da CDRS/SAA, em parceria com a Iniciativa Caminhos da Semente, Agroícone,The Nature Conservance (TNC Brasil), SIMA e Cetesb. O objetivo do curso foi capacitar os técnicos da SAA, SIMA e Cetesb em todas as etapas relacionadas ao processo de restauração ecológica para possibilitar a orientação dos produtores rurais no processo de adequação ambiental de suas propriedades, e também a análise dos projetos de restauração ecológica implantados.
O curso foi composto por 12 módulos apresentados pelos maiores especialistas brasileiros em cada tema, abordando desde conceitos técnicos, caracterização dos biomas, fitofisionomias, até as diversas formas de restauração ecológica disponíveis, como a muvuca de sementes, condução da regeneração natural, plantios de mudas em área total e sistemas agroflorestais.
O conteúdo do curso encontra-se disponível para o público no canal da CDRS: https://www.youtube.com/playlist?list=PLrJPh9ao-pSkLoUXyXWYT_MEcUkEnVEbJ
Fonte: Assessoria de Comunicação Secretaria de Agricultura e Abastecimento
Foto: divulgação